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Uma agrofloresta pode faturar 15 vezes mais que a pecuária', diz ex-diretor do Ibama

Por Rafael Garcia via jornal O Globo online

Valmir Ortega, Daniela Canisso e Marcelo Pereti (esq. para a dir.), CEO, diretora e CFO da Belterra — Foto: Divulgação


A frase "floresta em pé vale mais que deitada" é um chavão repetido com tanta frequência que algumas pessoas se surpreendem ao constatar que, no cenário de especulação fundiária da Amazônia, ocorre o exato oposto. Para um pecuarista que quer expandir pastagem, um hectare sem árvores custa mais caro.


A conta da preservação fecha quando a floresta é contabilizada como bem comum, que ajuda a captar água e a regular clima, e é difícil fazer vingar um negócio que trabalhe a favor da mata.


Por causa disso, fazer um ambientalista abandonar cargos de governo ou ONGs para atuar na iniciativa privada não é fácil. Mas é isso que fez o geógrafo Valmir Ortega, ex-secretário de meio ambiente do Pará e ex-diretor do Ibama.


Há três anos ele fundou a Belterra, uma empresa que transforma áreas degradadas em sistemas agroflorestais, mesclando mata nativa e lavoura. Com 10 mil hectares de projetos contratados e projeção de fechar 50 mil hectares até 2030, a companhia regenera floresta ao mesmo tempo em que torna áreas mais produtivas.



O que o motivou a criar a Belterra?


A gente criou a Belterra pensando em como acelerar a restauração florestal e a recuperação de áreas degradadas, e isso tem uma conexão com o meu passado. A gente criou na Secretaria de Meio Ambiente do Pará o Cadastro Ambiental Rural em 2008. A ideia ali era, de um lado, controlar o desmatamento, mas também tínhamos interesse de mapear os passivos de áreas desmatadas irregularmente que a gente precisaria restaurar.


Eu estou envolvido nesse tema há muito tempo, e para mim sempre ficou claro que a gente só vai ser capaz de restaurar milhões de hectares no Brasil pensando em modelos que gerem benefícios econômicos para os agricultores.


Aí pensamos sobretudo em áreas de pastagens degradadas, que geram de R$ 200 a R$ 300 por hectare líquido ao ano. Isso é um valor para uma cabeça de boi por hectare, que é a média nacional, mas essas áreas de passagem degradadas têm ainda menos que isso. Uma parte dessas áreas tem potencial e será restaurada por fins ecológicos, por serem APPs (áreas de preservação permanente), ou áreas de reserva legal, áreas que não tem aptidão agrícola. Mas numa boa parte de terras degradadas que tem aptidão agrícola, o ideal é a gente restaurar essa paisagem florestal num formato que gere receita, especialmente para pequenos e médios agricultores.


Como a empresa faz isso?


O que a gente faz é implantar um sistema agrolorestal (SAF), que é uma combinação de espécies florestais com espécies agrícolas que vão se sucedendo ao longo do tempo. Tem espécies que entram e saem do sistema e tem espécies que entram e vão gerar receita depois de três anos, ou até de dez anos. No modelo de negócio da Belterra o que a gente faz basicamente é um pacote para enfrentar os desafios para destravar essa agenda restauração. Um desafio é o conhecimento técnico.


Nós fazemos todo o design de sistema produtivo, com a composição de árvores, e calculando o que vai gerar receita, decidindo se é o açaí, o cacau, o cupuaçu, escolhendo qual também espécies de ciclo curto para receita de curto prazo, como banana ou mandioca. Além disso, a gente levanta o capital, que é um outro desafio. Investir em agrofloresta tem um custo alto por hectare, mas a Belterra estrutura a captação de fundos e faz a integração comercial com empresas e com a indústria para garantir que essa produção vai ter escoamento com preço justo, e eventualmente bônus de preço por serem produtos regenerativos.




Eu acho que o diferencial da Belterra em relação a outras iniciativas, que também são relevantes, é o foco em tentar equilibrar de forma adequada o impacto ambiental, que a gente quer gerar na restauração de floresta, com o impacto social, na geração de renda para pequenos e médios agricultores. Existem milhões deles hoje no Brasil hoje, com uma condição de produção abaixo do ideal em termos de sustentabilidade. Nós queremos mesmo equilibrar impacto ambiental e impacto social.


A gente assina então um contrato com esse produtor por no mínimo 10 anos, que é o tempo necessário para amortizar os investimentos que a gente faz, e ao longo desse período a Belterra opera como parceiro do produtor. A gente então constrói essa agrofloresta por esse período de 10 anos ou mais, e depois esse produtor vai poder explorar os produtos dessa floresta por mais 20, 30, 40 anos... É basicamente um sistema perene.


Vocês querem então ganhar da pecuária e da soja na disputa por terras?


É esse o pensamento. A gente está investindo muito hoje, para dar um exemplo, em sistema agroflorestal de cacau. O cacau chegou nos preços mais altos dos últimos 15 ou 20 anos e a gente está falando de produzir de duas mil a três toneladas de amêndoa de cacau por hectare nesse modelo. Isso daria até R$ 38 mil de receita bruta por hectare por ano, com receita líquida de R$ 14 mil a R$ 16 mil reais de receita líquida para o produtor.



A soja, em comparação, dá uma receita líquida de R$ 2.000 a R$ 2.800. A pecuária, então, não tem nem como competir, porque uma pastagem de alta produtividade está gerando R$ 1.000 reais por hectare líquido por ano. Nós temos um cardápio de opções capazes de gerar renda, de restaurar uma paisagem agroflorestal e ainda prover um monte de outros serviços ecossistêmicos: proteção de solo, água, biodiversidade, estocagem de carbono... A nossa visão é cria um modelo de ganha-ganha, bom para a natureza e bom para o produtor.


Para chegar a esse preço, seu cacau precisa ser orgânico e certificado como preço justo para o produtor? Ou essa diferença de receita já sai com cacau comum, como commodity?


Essa é a conta do cacau commodity. Mas ainda tem essas oportunidades que você menciona. Produzir um cacau fino, orgânico, rastreável, certificado como livre de desmatamento e de trabalho infantil. A gente está negociando isso com os parceiros. Como a gente trabalha junto com o produtor, a rastreabilidade da produção, que é necessária para isso tudo, é quase natural no processo.


O sistema agroflorestal de cacau é o mesmo que os produtores baianos chamam de cabruca?


É parecido com a cabruca. A diferença é que, na Bahia, começou ao contrário. O termo cabruca vem de "brocar" a floresta, que é desbastar a mata nativa para entrar a luz, cortando parte das árvores nativas e plantando cacau. O resultado final do SAF será algo parecido com isso, mas a gente começa em áreas que já tiveram degradação, e regenera. A gente planta banana, mandioca, milho ou feijão, que são produtos para gerar uma receita de curto prazo e proteger as mudas florestais.


O cacau e o açaí vão precisar de sombreamento, que banana ou mandioca vão prover inicialmente, mas conforme o cacau e as espécies florestais vão crescendo, banana e mandioca saem, e começam a dominar as espécies florestais de grande porte — jequitibá, jacarandá, mogno ou cedro — árvores de 20 metros ou 30 metros. Embaixo dessas árvores vão ficar o cacau, o açaí, o cupuaçu, as espécies de frutíferas que têm porte médio, árvores de quatro a seis metros de altura.


Vocês estão então buscando parceria com quem desmatou e tem passivo ambiental?


Sim, mas não só. A gente tem feito busca de produtores que tem passivo de APP (área de preservação permanente), e a gente inclui isso no projeto para fins de restauração ecológica. Mas a maior oferta de área que a gente tem são as pastagens degradadas, em área produtiva da propriedade, e o volume de oferta é gigante. Estudos da Embrapa contam mais de 70 milhões de hectares no Brasil de pastagens degradadas, que sustentam menos de uma cabeça de boi por hectare e estão tão matando solo, provocando erosão, destruindo rios.


O sr. já trabalhou em governos e em ONGs. Como é atuar agora como empresário agora? O sr. depende de políticas públicas dos governos para prosperar?


Muito do que eu fiz como governo, depois como ONG, na Conservação Internacional e na Conexsus, de alguma forma eu continuo buscando. Só que agora, a gente faz isso como estratégia de negócio, com muito maior potencial para alavancar investimento e financiamento que uma ONG teria. E como empresa a gente tem uma liberdade muito maior do que como governo para desenhar soluções que se adequem aos interesses dos produtores.


Do ponto de vista de relação com o governo, nosso negócio não é dependente de políticas públicas específicas ou de financiamentos do setor público, mas é fundamental que a gente tenha um ambiente de negócios mais favorável. Aí o governo é fundamental, porque pode fazer controle do desmatamento, políticas públicas de regularização fundiária para dar segurança aos contratos, acelerar a regularização dos assentamentos rurais.




A questão tributária precisa ser avaliada?


Há muito a fazer em termos de melhores condições tributárias para produtos da floresta. Hoje o boi praticamente não paga imposto, e a soja é desonerada, porque é um produto de exportação. Quando você vai para muitos produtos da floresta — cupuaçu, açaí, andiroba, copaíba, etc. — eles não se enquadram nesses benefícios tributários que outras cadeias do agro já conquistaram. Precisamos ter um olhar em termos de benefícios fiscais para favorecer esses negócios também. Mas é importante dizer: independentemente de isso vir a acontecer, esses negócios já são competitivos e já são viáveis no modelo que a gente faz.


Quanto a Belterra tem de área com projetos hoje?


Nós já passamos de 2.000 hectares em execução, em quatro estados (RR, PA, MG e BA) e três biomas: Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. E nós temos mais 8.000 hectares contratados, que vamos implantar até o fim do ano que vem. Esse número parece pouco comparado com o a soja, mas estamos num cenário basicamente de pequenos e médios produtores.


Na cadeia do cacau existem só quatro ou cinco produtores no Brasil com mais de 2.000 hectares, então uma área desse tamanho com SAF de cacau é um volume bem razoável. A estrutura de investimento que nós estamos montando é para alcançar 50 mil hectares de sistemas agroflorestais em 2030.


Vocês ainda são uma startup?


Esse é um tipo de investimento muito intensivo em capital. Nosso custo por hectare varia de R$ 30 mil a R$ 35 mil investidos até o break-even. Isso significa que, para os 2.000 hectares que a gente fez a gente já executou mais de R$ 50 milhões. Para chegar em 10 mil hectares, a gente vai investir mais de R$ 300 milhões.


Então, a gente ainda é uma startup do ponto de vista do tempo, de retorno. Todo o fluxo de receita hoje é reinvestido na operação, e até a gente alcançar os 50.000 hectares lá em 2030, estamos falando de um investimento total de pelo menos R$ 1,5 bilhão. Mas em termos de volume de capital mobilizado e contratado, eu diria que nós já temos tração para crescimento.


Vocês captaram todo o dinheiro com a Vale? Eles estão interessados em mitigar o passivo ambiental deles também?


O Fundo Vale, mais especificamente, é quem foi capital semente da operação. Mas nossa operação aqui não tem nada a ver com nenhuma obrigação da Vale ou passivo ambiental deles. Ela tem a ver com uma meta de sustentabilidade voluntária que a Vale anunciou. Essa meta inclui como pontos a restauração de 100 mil hectares de terras degradadas no Brasil e a proteção de 400 mil hectares. Nós fomos a primeira empresa a ser contratada dentro desse arranjo para desenhar um modelo de negócio.





Existem outras empresas tentando impulsionar a agrofloresta no Brasil. O que a Belterra tem de diferente para ser indicada ao Prêmio Earthshot?


A gente está vivendo um momento muito importante para destravar a economia da restauração. A gente fala disso há décadas, mas agora as coisas estão acontecendo.


Eu acho que o diferencial da Belterra em relação a outras iniciativas, que também são relevantes, é o foco em tentar equilibrar de forma adequada o impacto ambiental, que a gente quer gerar na restauração de floresta, com o impacto social, na geração de renda para pequenos e médios agricultores. Existem milhões deles hoje no Brasil hoje, com uma condição de produção abaixo do ideal em termos de sustentabilidade. Nós queremos mesmo equilibrar impacto ambiental e impacto social.



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